sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sobre dor ou prazer

flores de fel
soletram pétalas
em tímpanos perfurados
crivados de desejos

é que às vezes o amargo
parece mel

(Celso Mendes)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Os Cinco Sentidos e uma Sombra

escutar
a pele
implorar
o toque do segredo

ver
o vazio
de um olhar
preencher de aromas o sonho

sentir
a cor proibida
do prazer
escorrer da própria mão

inalar
o gosto
de um sugar de línguas
emudecendo olhos

degustar
palavras
remidas
de falsas mentiras

e perceber
resignado
que os passos
silenciosos
do desejo
só andam ao lado

um desejo resumido a uma sombra

CELSO MENDES

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Urso Polar



Sou tão somente o que queira que eu seja

Um inimigo se suas setas não me alcançarem
Esses destroços do que os canhões não atingiram
Um companheiro se sua adaga me ferir
A lua nova dos que já não precisam luz
E este inferno onde o escuro brinca de pirilampo

O que quiser, eu sou

Uma montanha se quiser me atravessar
Um precipício se este azul escurecer
Um oceano se todas as nuvens queimarem
E o dono deste segredo que sempre me acompanhou

Sou o fantasma que quer roubar os seus sonhos
Sou um gigante rastejando pela bruma
Um transeunte perdido em vôos solares
Aquela árvore que repudia raízes
Aquele rio que leva todas as folhas

Mas se quiser, eu posso ser
Apenas um monte de lã branca

Se sua aura não me der esse calor
Sua saliva não matar a minha sede
E sua lágrima não for

Minha
         Água
                Gelada
                         Onde nado
                                    A alimentar-me

(Celso Mendes)

terça-feira, 19 de julho de 2011

Do porquê de voos

E então houve o encanto. Se figurado, fulgural ou acidental, não sei. Sei do entanto que me desgarrou dos sentidos as impressões e se desejou. Tornou-se tanto. Apegado à terra e à água, fiz do vento pousada. Dói a beleza que não incendeia, como fogo fátuo em olhos rasos. Daí a procura pelos segredos e pela cura desta sanidade. Não bastava enxergar pedra na rocha; urgia ver a aura mineral. Querer do concreto o etéreo e do onírico um denso rio de palavras. Foi assim que se fez e assim continuou. Eu vi o encanto. E ele me sorriu.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Adágio para breve sumiço


tem dias que o mundo não me cabe
não me adentra
escorre-me tal breu sobre pele
e perde-se antes da imagem primeira

hoje uma coruja me engoliu com seus olhos de rapina
depois seu pio emudeceu
no canto escuro
de uma noite qualquer
onde eu sumi

(Celso Mendes)


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Revisando conceitos


Esse desmanche de fetiches sob meus pés ferem-me as retinas
e hoje eu não estou para limonadas.

Pouco me importa esse seu olhar enviesado
a atravessar meu semblante interditado;
tudo não passa de um espetáculo improvisado
onde citronelas se defumam lentamente
espantando mosquitos, besouros sensíveis e transeuntes anônimos.

Repare nas minhas mãos esburacadas:
elas estão vazando e não consigo mais
segurar suas mentiras nem meus delírios.
Perceba, minha fome está voltando
e meu desejo de devorar feitiços se manifesta
em cada serpentina
lançada de antigos carnavais.

Hoje eu posso digerir o fogo dos dragões sem queimar minha armadura.

Estou jogando as cartas para o ar a espera da mágica;
não se iluda, que a inocência já se foi há muito.
Agora eu vou morder a mesma víbora que me picou e sorver o seu veneno.
E o deleite é nosso, meu amor.

Então vamos, que o inferno ainda não chegou e temos muito o que morrer.


(Celso Mendes)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Vago (reedição modificada)


um poema gelado
de palavras mudas.
um verso solto, sem abrigo,
o zunido do silêncio
que se quer luz.
a busca, sim a busca.
uma lógica de vidro,
frágil, cortante, invisível, quebrável,
e as folhas de uma canção distante
a soprar-me os pés.
a companhia dos sonhos sugere que estou vivo.
um cão; há calor.
percorro o teclado,
roço olhos em cristal líquido,
renego os sentidos.
e as letras insistem
num significado
que não sei lhes dar.

(Celso Mendes)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Da temporalidade

poema publicado no blogue Trem da Lira, da minha amiga Cris de Souza, por ocasião de seu Sarau Festivo em homenagem ao aniversário do poeta e artista plástico Marcantonio Costa.

pescador de palavras
o poeta cultiva silêncios
domina o idioma visceral dos interiores
conhece os rios que navegam sistemas límbicos
e sabe da água, que sempre corre a-mar
mas volta lacrimosa chuva
nesta azul temporária vida

(Celso Mendes)