quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Prosaico


o brilho seco, o sol a pino.  tentou bebê-lo, mas engasgou. agora saciava-se de sombra. agora só lembranças caleidoscópicas. então ele abocanhava pedacinhos. cuidadosamente, grão a grão. não, não era areia de castelo, eram outros secretos tesouros. e os olhos secavam lentamente; agora eram lágrimas de sílica em borras de grafite. agora água era o que dela ficara, da saliva dos lábios, da umidade íntima, do suor dos membros entrelaçados, dela, sim, dela toda. era o que bebia. abriu os olhos devagar, olhou a velha janela e algum mundo lá fora, mirou a pele enrugada e ponteada de melanina de seus braços. que tem aqui para mim? — pensou — e cerrou as pálpebras novamente, rumo ao mundo que enfim adotara. na boca um sorriso raso, quase imperceptível; na mente um infinito pretérito a se renovar continuamente.

Celso Mendes