sexta-feira, 28 de maio de 2010

Um Poema?

O nexo
É o foco disléxico
Deste poema sem sexo
Sem juras de amor
Sem pudor
Atordoado
Indisciplinado
Inclinado
A nada dizer

Por que fazer disso um problema?

Deixo que o próprio poema
Fale de seu dilema

De ser
Ou não ser

(Celso Mendes)

quinta-feira, 27 de maio de 2010

RUPTURA

Palavras engasgadas
Pretéritos inexistentes
Particípios ausentes
Presentes vencidos
Prólogos inativos
Preâmbulos fechados
Profecias rasgadas
Projetos carcomidos
Pífias histórias
Pedaços fragmentados
Pranto
Pausa
Partida

(Celso Mendes)

Pânico



Sempre o medo e a angústia, a falta de cor selando seu semblante desbotado de vida e a música do silêncio a pesar sobre seus ombros. O ritmo acelerado de um coração mecânico, autômato, que nem mais lhe pertence, bate forte e descontrolado como a querer saltar de seu corpo, o mesmo corpo que flutua, límbico, na eletricidade de sonhos psicossomáticos; os mesmos sonhos focados na direção imagética de seu olhar estático.

Percorrer caminhos arteriais só leva a retornos venosos, escuros, tortuosos e sem oxigênio. Alma sufocada, seus olhos, por alguns segundos, arriscam explorar um vazio cercado de coisas sem razão ou sentido. Plantas artificiais enfeitam o dia fabricado por encomenda enquanto cãezinhos latem até acabarem suas baterias.

Estabelece-se um contato com o centro do nada. Segue brincando com lágrimas presas, que brilham, mas distorcem sua visão, e tenta, assim, esquecer que o sangue inunda lentamente seu mediastino prestes a transbordar ansiedade ou implodir sua tristeza. Já tem consigo uma certeza: não há anatomia que resista a mais um dia tonificado de pânico. E a noite chega.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Desorientação

já entendi meu pedaço iluminado por estrelas
alguma coisa sobre as fases da lua
e o trajeto do sol

mas me esqueci de marcar os caminhos
não aprendi o voltar

eu desconheço o espaço deste agora

e as setas
sempre apontando para meu peito
arrastam-me para um escuro
aonde ainda não sei
ainda não sou
apenas
estou

(Celso Mendes)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Sincronicidade

cada espelho que atravesso
me lembra
em cada dia que anoiteço
que todo sol que ouso acender
e todo gesto que tento calar
não são mais só meus

(Celso Mendes)

Uma Antiparábola

rabisco uma parábola distorcida
de brilho duvidoso
e preceitos ilusórios
onde a razão não tem forma

da lógica estilhaçada
tenho alguns cacos
mas não se encaixam

discernimentos se confundem
nos ecos da escuridão
onde navego e me escondo

nesta incoerência que me domina
restam poucas simetrias
apenas sonhos doentes
que não se refletem
mas se repetem
repetem
repetem
repetem

(Celso Mendes)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Involuntário

Pingam-me palavras.

E nem há motivo,
além da chuva
que escorre
na mesma janela
por onde a luz
abandona a tarde.

Um lamento
transcende o tempo
num canto
secreto
de letras
empoçadas.

Loucura
despejada em vão
no vão que sobra
aos lábios soprar

enquanto
desejos,
sabores,
sensações
dissipam-se
lentamente
como gemidos
de uma noite.

Por fim,
o silêncio
mesclado
de saudade
e destas palavras
caindo
torturantes

dominam meu vazio.


(Celso Mendes)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Abjuração

abjuro desta santa que me despe
destas tardes de loucura
desta mão que me esconjura
destes infernos tangentes

abjuro das ilusões carcomidas
das aflições recorrentes
das correntes, das acácias
dos olores multicores

abjuro amores inconsequentes
sonhos permanentes, soluções pertinentes

abjuro, enfim, do azul de todas as fadas
do vermelho destes meus demônios
dos venenos que destilo
e desta estúpida lucidez que me entorpece

(Celso Mendes)

domingo, 2 de maio de 2010

Invasiva

lento, hoje estou lento
como a saudade que me toma devagar
preguiçosa
vestida de um vermelho que me inunda
preenche-me de olhares
de sorrisos nus
de pele macia
e de uma falta danada desse seu abraço

(Celso Mendes)

sábado, 1 de maio de 2010

Desertos

Tento, mas não sei falar de paisagens. Minhas palavras são uma provocação aos grandes segredos do viver e meus desertos são imensos...


brancas
salinas
salgam
imensidões
solitárias
onde liberto
uma alma
que persegue
vida
tal água
em verdes
lençóis
bebendo
sol.

viajo só,
desato o nó,
carrego comigo
o sopro
do nada
e voo entre os silêncios
de uma procura.

a paz que me basta
não é geografia,
é história,
é passado e presente,
uma busca,
o encontro,
equilíbrio.

atiro-me
sobre
a areia e o gelo,
sob
as nevascas e as ventanias
e entre os arbustos
do deserto
de Taklamakan,
onde,
neste momento,
faço minha morada.

(Celso Mendes)