terça-feira, 30 de março de 2010

O gosto do vácuo


um momento
transverso
percorre-me a espinha

sinto os passos
marcados
ritmados
dissipando-se
num ir sem olhos de guardar lembranças

agora o vácuo

o limiar da dor
vagueia
perigosamente
na fronteira da minha sanidade

percorro um trajeto sem chão
e me despejo na saudade

(Celso Mendes)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Presque vu


no momento em que a mente exige
essa busca do olhar
que se perde em paredes
ou se afunda na madeira da mesa
transfixa matérias
e se esvai entre imagens e sons
ao tempo exato
em que passos morrem na sua nascente
percorrem meu abismo mais frio
e pisam, descalços, nos mesmos cacos de sempre
sangrando-me os pés
é nesse instante que o movimento inexiste
que desejo do teto meu chão
que arranco minhas asas
e as devolvo ao demônio

(Celso Mendes)

sábado, 27 de março de 2010

Passeio


PASSEIO


Hoje visitei a beira do abismo
Eu e meu jeans

No fundo, sempre achamos que o tempo não iria passar

Acocorei-me sobre o limbo que cobria o chão que pisava
Abotoei uma borboleta amarela na lapela
Cobri-me daquele sol desbotado e velho
Apanhei um cogumelo solitário que insistia em crescer na pedra
Cheirei duas nuvens passageiras
Mas resolvi não olhar para o espelho do mar

E o azul acima da minha cabeça sempre me desafiando

Resolvi seguir pra lá

Estou cansado de tentarem me convencer que envelheço


(Celso Mendes)

Sobre esperas e compulsões










Mais um vez
mergulho.
O fundo é cego
e seu ruído surdo
martela
cada instante de ausência.
E cada palavra não dita
ecoa
numa mudez que fere.

Sístoles e diástoles
preenchem
o silêncio
da noite.

(Celso Mendes)

Mergulhando Ressacas



Não havia rebentação que me bastasse. Flutuava na areia enquanto siris se escondiam em buracos e a garoa castigava-me a pele nua. Misturado às nuvens, resolvi chover também. Salguei o mar e me consumi, escorrendo essas lamentações de praxe. Tragado pelas ondas virei oceano, bati furiosamente contra rochedos, arrastei conchas e lixo para o meu interior, criei corais, persegui cardumes de vida e, finalmente, me dirigi até o mais profundo escuro e aquietei.

Amanheci sob o sol e continuei meu caminho. Já acostumara com essas tormentas.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Minha busca


fosse pássaro
ou anjo
voaria atrás de palavras
para te agradar

sendo olhos
leio poemas
e procuro asas

(Celso Mendes)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Meu Remanso


Ando cansado desse desvario, dessa madrugada, deste fel                                                           [intumescente

Já rastejei na noite mais sombria à procura de vermes e seres                                                           [luminosos
Já andei sobre os mares mais profundos tocando o sal de suas águas                                                          [com meus pés
Já voei mil universos em companhia de seres abissais,                                                          [interestelares, subliminares
Já mergulhei em buracos de ozônio para tentar alcançar a luz
Mas só consegui queimar meus olhos, minhas mãos e minha alma

E agora eu quero voltar praquele remanso seguro
Onde o calor esvazia este gelo que me preenche
Sob a pele tosquiada, fissurada, enlameada
Onde a saliva me limpa, me cura e me regenera
Onde esses olhos me inundam de transfigurar desejos
Onde essa pele
Onde esse mel
Onde teu colo...

(Celso Mendes)

domingo, 21 de março de 2010

Aposiopese


escutar o ruído
rangido
gemido
dos ossos
enquanto o silêncio me grita

ver a pele rasgar
nas arestas
sangrar
pelas frestas
nos vértices do que já foi círculo

e sentir esta adaga
romper
este gelo
e o fogo
que habitam em minhas entranhas

nestas horas de angústia
onde a febre
insiste
insana
em revisitar meu futuro

neste então
permaneço
obtuso

e me quedo

(Celso Mendes)

sábado, 20 de março de 2010

Estou bem, obrigado.


Não sei se ando em cometas
ou num rabo de foguete.
Estou de bem com as paredes
e na janela há uma fresta.

Esta bolha de gel onde flutuo
lentifica-me,
turva-me a visão,
abafa-me a voz.

Existem flores do outro lado da rua,

o desassossego é só minha doença.

O ar está calmo,
o céu azul,
pessoas riem.

Dezenove incursões respiratórias
caladas
ouvindo os setenta batimentos cardíacos
tentarem parar o tempo,
enquanto meus cinco litros e meio de sangue
insistem circular
duas vezes por minuto por todo meu corpo
para oxigenar este cérebro,
que gera
um pensamento por hora
e se repete ciclicamente,
provam que estou vivo.

E as flores continuam do outro lado da rua,
vejo pela fresta da janela.

(Celso Mendes)

sexta-feira, 19 de março de 2010

Leve Pretensão


Busco,
pretensiosamente,
a leveza
das painas.

Caneta em punho
deslizando no papel
a esvoaçar pensamentos.

Meu corpo fica.

Teimoso e comportado,
insiste em obedecer à lei
gravitacional.

E aqui permaneço,
sentado,
catando palavras
para soprá-las ao vento:

quem sabe voem
ou ao menos planem...

Quem sabe caiam
em alguma palma
ou nalguma alma.

(Celso Mendes)