quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Despojo


desfaço-me de alguns momentos
desta minha loucura
pincelada com falsas obsessões

reservo combustível para o voo
e me apego
ao que me abastece

resta um pequeno fio de sanidade
por onde às vezes escorrego
(mas não por vontade própria)

carrego um tanto de palavras
imagens
sentidos
significados
até que o tempo os apague
ou deturpe

sigo

(Celso Mendes)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Por que tudo que é eterno tem fim?


o piar de passarinhos
rompe a manhã que não queria nascer

preparo a defesa

aquieto-me e me resigno
em abandonar o refúgio da escuridão
em que permaneci nesta eternidade
com minha estrela e sua luz
fria e distante
onde nadavam meus sonhos

o dia nascerá muitas vezes em plutão?

não consegui voar até o limite
os fantasmas partem lentamente, fico só
eu e uma realidade que me arde na pele

(Celso Mendes)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Híbrido


esses dedos
não mais me tocam
mas ardem
— sequela de tempestade em ferida —
rasgam velhos sonhos podres
rasuram memórias torporosas

eram deles as unhas-navalha
que levaram pedaços meus
encravados

ainda restam-me
suas lascas cartilaginosas
mescladas
em minha carne
em meus ossos
em minha alma


ainda resto-me híbrido

(Celso Mendes)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ultima ratio


espreito o indefinido como quem morre outra vez
meus olhos carregam cinzas
seguem opacos, cansados
mas avistam a última barreira

um sussurro me confessa mistérios
demônios dançam libertos
tridentes na carne que sangra fustigam meus sonhos
que teimam existir

insisto
rasgo realidades com meu arpão de delírios
penetro o infinito como um bólido
abaixo do limiar, o desejo do verme me devora entranhas
mergulho-me

caminhos a escolher e um destino marcado
resta-me seguir e contar às estrelas

até a treva, seus derradeiros reflexos
haverão de me acompanhar

(Celso Mendes)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Motivo de escrever


a escuridão do branco
insólita
diz do pó da palavra
em nó desapertado de gravata
onde se encouraçam vozes
e se faz ré de si
a cantar silêncios retroativos
sobre imagens amordaçadas
em memórias olvidáveis

a escuridão do branco
macula chaga e sorriso
enxuga cores e cinzas
engole o passado
e clama por um inexistente futuro
a obscurecer olhares
com seu imenso nada

(Celso Mendes)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Entropia


falo num idioma que entende noites
e dialoga com estrelas

meu dizer não é meu, é do universo
pois não sou de mim ou de ninguém
fui gerado para romper fronteiras
e só agora me descobri

busco a magia escondida em cumes
e a essência do átomo

semeio e me desfaço lentamente

o risco na pele é um sinal
eu sinto
mudo a cada segundo

(Celso Mendes)

sábado, 11 de dezembro de 2010

Espiando a poesia


por esta nesga de papel
escorrem sonhos
e as palavras brincam de voar

(Celso Mendes)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Tropeço


ao cair no abismo
seguro-me em flores que sangram
esta minha insanidade

(Celso Mendes)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Trajetos, trajes e fins


eu pensava saber do voo
aonde os passos me levavam
onde as ondas quebravam
por onde rios corriam
eu pensava saber da asa
                               [e do vento

mas só sei apontar

piso onde o solo se me oferece
e meu olhar é oceânico

visto-me com o que avisto
com o que sinto
com o ruído do grilo

o que me atinge reveste-me
impregna-me, adorna-me
compõe-se com
o que eu fui [até
                            então]
                e então
        após
serei

no fundo
continuo um recheio de sonhos
que me nutrem
e que me matam
a cada dia

(Celso Mendes)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Vou contar uma coisa

Não escrevo poemas, somatizo sentimentos
e aqui, bem aqui os guardo...
Os que me escapam, contam meus segredos.

(Celso Mendes)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Voo


não subestimes a brisa e a palavra
elas podem atravessar oceanos
e te levarem junto

(Celso Mendes)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Anoitecido


meus pés desejam pisar silêncios
de um alvorecer grisalho e calmo

não é pretensão, é despojo
despir-me das escamas de um tempo
atingir nuvens em dois saltos
sorver mares profundos
despetalar um poema e aspirar sua essência

mas desconheço e desmereço o segredo do sol
permaneço em penumbra

de manhã lírios brincarão na brisa

até quando aquela estrela me consolará?

(Celso Mendes)