terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sopros, sonhos e areia

Suas mãos descamam camadas de lembranças
Seus olhos não secam
O brilho do não é infinito
Mas nada acabará pra você

Console-se pelo já perdido
Esquecer não faz parte do jogo

Também não queira saber além de seu tempo
Tente, apenas continue

Uma boca no deserto
Três dias para compreender
E uma vida para esquecer

Não tem sentido?
Então experimente não saciar a sua sede

Todo segredo é segredo
Todo presente é uma revelação
Toda verdade é relativa

Cada pele tocada, uma textura
Cada carne que morda, um sabor

Sinta, saboreie, guarde
Hipocampo e papilas gustativas existem para isso mesmo

Remeta ao vazio vez ou outra
Mas não fique muito tempo sem mim

Ah, eu sempre achei que a vida começa aos cinco
Lembra?
Estava errado

Continue contando as luas, as balas, os sorrisos
Mas saiba que é bobagem memorizar a contagem

Volte a pisar apenas nas pedras claras
Para não queimar os pés nas escuras
É divertido

Salte nuvens novamente
Se cair, já sabe o que é um ralado
E que a dor é preciso, é fundamental

Acho que devíamos caminhar um pouco
Quem sabe encontremos a praia outra vez

(Celso Mendes)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sazonal


(invernos jamais se repetem...)

por que este agosto
deixa esse gosto
assim
de mate amargo
de riso pálido e olhares mudos
de corte fundo com sangue doce
de boca seca
de folha ao vento
de pó nos olhos
de vida esporulada
e de um tempo desnudo
se é no seu fogo
se é no seu ocre
em suas horas áridas
que se queimam as palhas?

(Celso Mendes)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Esconderijo


neste agora
em que as asas me pesam
o rastro se perde
o chão me abandona
dispo-me das cores
e me acomodo na solidão

deste escuro que busco
queria uma calma
que não me alcança

desta luz que renego
permanecem sombras
que não consigo apagar

em minha mudez
guardo o silêncio do mundo

fecho os olhos
junto cinzas
refaço-me lentamente

um dia volto

(Celso Mendes)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O Velho Casarão

todos os sentidos
aquietam-se neste canto
enquanto sombras se escondem
do silêncio

o passado impregnado nas paredes me espia

por um breve instante
transpassa-me
o úmido aroma
de uma vida
que já me pertenceu

(Celso Mendes)

Instante

não sei
se sei
versar assim
tão simples

estar aqui
estando
apenas
ficar assim
tão simples

então
não pensem
ser isto um poema
assim
tão simples

isto somente
é um momento
e é assim
tão simples sim

(Celso Mendes)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Absintismo

fluida
escorreu-me lenta
banhou-me de olhares
palavras
desejos

bebi da sua cor
sorvi sua essência
naveguei cada vão
por onde vertia
e nadava-a
sôfrego
ao perceber
súbito
destilar-se me pele afora
enquanto vazava
de minhas mãos
ocas
que não mais a continha

rapidamente escoou
secando-me um sonho
eternamente fugaz

daqui
em minha embriaguez
ainda absinto-a
intensa
inebriante
fluida

(Celso Mendes)

(Des)Encantamento

Em pleno voo
Inesperada
Rápida
Certeira
Seca
Precisa
Corta-lhe as asas

Ferido
Cai

Sangrando
Perdido
Sem ninho
Desorientado
Atordoado

Cego
Dorido
Amua-se num canto

Espera a cicatriz

A sequela
Sabe
Inevitável

(Celso Mendes)