sábado, 27 de agosto de 2011

Impressão boêmia e entorpecida sobre a rua, postes e afins


o vinho bate vermelho em minha ideia anoitecida
a madrugada flui seu sereno em telhados embriagados
palavras flutuam consignadas no silêncio da bruma
a sombra conforta o sono das cores adormecidas
e meus olhos
mentindo-se impassíveis
registram o reinado das mariposas

(Celso Mendes)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Motivo algum?


como agarrar as capas transparentes da brisa
não fora o vão?
como flutuar nas noites em descaminho
não fora a luz?
por que, afinal, transito entre a matéria e o nada
não fora o espaço?

(Celso Mendes)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Balada para musa desaparecida em noite paranoica


não há paixão que sobreviva nesta calçada
onde teus pés de salto agulha feriram o concreto
e poças de lama preenchem os buracos
que escondem o sangue jorrado
dos últimos colibris de asfalto

não há mais passos em frente desta janela de bar
que não lembrem teu hálito de espuma
vazando pela veneziana
como serpente
a procura de pupilas escancaradas

não há mais amor nesta alameda em desatino
destino de alucinações desencarnadas
que não sopre o reflexo apagado de pirilampos
que já foram olhos

já não há mais a saliva espargida do teu canto
a deixar o brilho de teu rastro estéril
à porta destas casas
já acostumadas a hábitos cetônicos
hepatotóxicos
agora órfãs
de tua corrosiva doçura
etílica

nem há mais lua nesta rua
onde pisaste
e agora jazem as estrelas

ao fundo
opaco mundo
e apenas blues

(Celso Mendes)

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Coisas que se pensam ao entardecer


um sopro
e a noite deseja
sorrateiramente
ocultar o ruído da luz com a sombra do vento
enquanto
à toa
eu brinco com palavras que apanhei à tarde
no meu quintal

se elas pingaram das árvores
ou do bico de pardais
tanto faz
se caem em minhas mãos
eu brinco
e engulo
e brindo

bem sei que o tempo teima em escorrer
mas quem sabe ainda aprendo a língua dos passarinhos
antes de conseguir voar
antes de escurecer

(Celso Mendes)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Breve motivo para se viver o rubro



no bálsamo que alicia olhos
um fulgor de olfato que embriaga
e altera os matizes dos sonhos
como poeira quente que penetra poros
a tingir de febre o sangue que se espessa
como a explosão daquele instante mudo
que fere acutilados e reticentes silêncios
como aquele engasgo que se quer um grito
mas sempre
se prende
em círculos, ciclones
e bocas de estômago

no que a carne sente
nestes alardes de tinta e nó
um tanto de espanto
um tanto só
[momento é pó]
que arranha o contorno da íris
e se esparrama na pele que enrubesce
tão breves segundos
breves tantos quanto vida
que brevemente os guarda
em cofres-memória
fadados a se esvaírem
na infinita
brevidade
de ser


(Celso Mendes)