quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Abstração

uma contação de vazios de agora
absorve-me dos instantes
enquando escuto a memória
que escorre
a constelar água d’olhos
com reflexos
de todo um existir

há um hiato 

onde o silêncio
desenha uma  vida
– mínima vida minha –
em fração imensuravelmente atemporal
– absoluta

enquanto se equilibram passos
isentos de peso
vertiginosamente voláteis
enquanto voam
aqueles pássaros
sem asas
sem nuvens sem horizontes
enquanto dedos cintilantes
percorrem
a carne a palavra a essência dos lábios

enquanto se percebe
que viver adere poeira e fogo e água
e que a pele cala fundo
– bem lá – onde não mora a razão
cada toque de luz
cada sombra cada gota
e a rubra mudez de cada pecado

(Celso Mendes)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Mais uma estória de uma noite sem fim

era a estória de uma noite
não uma noite qualquer
era uma noitestória de amor
onde estrelas miravam-se
vaidosas
e disputavam seu luzir no negro das águas
hipnóticas

era uma noite, percebam, única
uma minhaestória
em que o fogo permanecera guardado no céu da boca
e as palavras
paralisadas
eram apenas silêncio de cometas
a rasgar lembretes
nuas de parênteses

era uma noite urgente
era uma estória onde o lume da ausência
acendia a mais recôndita sombra da memória
na mais escura das noites videntes
que passou por mim
e ficou
calada

era uma estória sem fim e indefinível
de uma noite indefinível e sem fim
ou
talvez
apenas uma noite de renováveis esperas
e solidão

era uma noite, enfim
era uma noite assim

(Celso Mendes)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Breve cantiga para mais um anoitecer

cada gota de sombra
faz a noite pousar
pele sobre pele
enquanto as palavras se aninham no silêncio
[o silêncio fixa sensações]

recolhem-se as flores que adornavam o vento
aromas são lembranças do desejo do pólen
e no escuro se guarda cada fóton sentido

[o mundo cabe numa pupila
ou num trecho de epiderme]

(Celso Mendes)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Compasso de espera para abalar raiz e verbo

 
[c]
um desalinho sacode a placidez  de templos e olhos
expurga a retidão do traço que se queria limpo e breve
inverte a polaridade deste horizonte injetado de sangue e de buscas
inventa um azul que adere incontrolavelmente
sob pés que desalcançam o chão
ao tempo que se rompem lábios siameses
e irrompem-se línguas bifurcadas

é quando a palavra reveste-se delírio
imagens calcinadas em pele árida reinventam-se gérmen
memórias atemporais perfiladas na rocha desorientam grafites

pólen de girassol
lua laranja
gosto de alcaçuz
sol e noite
orvalho e argila
trilhas e nuvens
estrelas na boca
brilho e silêncio
viagem

é quando o delírio ampara-se na palavra
levita
recolhe-se
e sonha
«real»
[c]

(Celso Mendes)