terça-feira, 28 de junho de 2011

Sobre guardar estrelas


de tanto mirar
há um pedaço de céu caído em meu cristalino

agora
para onde olho
vejo uma estrela

(Celso Mendes)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um quase inverno


o outono só esquenta as vísceras enquanto dorme
só avia pecados em segredo e silêncio
enquanto ora, dissimulado, às folhas secas em escalpo de rosa
pelo espinho que murcha, mas ainda fere

o outono só aquece em olhos úmidos
seca-lhes paisagens sem lhes roubar a vida
como a impor a dor na sombra de uma translação
onde o frio flui impiedoso e ocre sobre cabeças e pés
inabaláveis ou frágeis

o outono só é quente em minha mente insana
que insisto balançar a um sol detrás de um muro
e tranco junto a sonhos findos e repaginados
quase adormecidos, imobilizados
pedaços de um passado a me planar impunes
prensados pássaros sem céu
sementes pálidas sem broto
luz que se aprisiona a espera do inverno tão próximo

não, meu outono não é quente, ele mente.

(Celso Mendes)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Sobre frutas e corredeiras


deste teu olhar de pingo de jabuticaba em fruta-carmim
[pomo de dar fome em olhos meus]
abasteço-me
teço sonhos, enfeito ares
broto-me água de pedra ressequida
e fluo-me a ti

navegante e rio
rasgo leito rochoso
a debulhar as folhas
[que te ofertarei verdejantes]
das margens deste trajeto
rumo cachoeira/lago-alvo
onde nadarei
cegamente
teu sal
e me afogarei
sôfrego
em teu sol

(Celso Mendes)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Busca fugaz por resquícios de versos e sonhos


este arremedo de pensamento que me assola
estanca preces
robotiza quimeras
volatiza desejos

havia um tempo
em que os sentidos eram rubros
mas os dizeres eram vãos
e cada frase surda
escondia sua poesia
atrás de dispersivas pupilas

agora é o nada impresso nos dentes
a mastigar silêncios
de um discurso mudo
cansado e desconectado

aonde pousaram
as palavras
que te lancei
a cada olhar proferido
e que se perderam
como fécula em boca nua
como férula a ferir espaços
como ímã em contramão?

(Celso Mendes)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Azul

Queria o azul. À medida que se encantava, adentrava-o, cada vez mais denso e escuro. Queria mais e mais azul. Queria as preciosidades bem do fundo do azul mais fundo, que o atraia, traiçoeiro. Havia verdes no seu caminho, mas era o azul que o cegava. Era o reflexo do céu na escuridão abissal. Imensamente azulado, vertiginosamente fluido, seu mundo bailava cada vez mais cobalto e paradoxalmente mais brilhante à medida que mais sombrio. Compreendeu por que o amarelo era passado, como folha de um velho livro. Entendeu por que água era essência e presente. Vida. Só não percebeu sobre a dose. Bem que o rubro na face quis alertá-lo dos vermelhos no caminho. E tudo girava, comprimindo-lhe os sentidos. Lembrou-se do dourado do sol, do sorriso materno indescritivelmente meigo, dos campos floridos, dos amigos a lhe pular nas costas, de estrelas, de estradas, de voos, dos peixes e dos monstros, que deixava para trás enquanto mergulhava até o seu limite. Atingiu o sonho, torporoso e maravilhado com toda aquela magia anil à sua volta. Sentia braços o envolverem, insistindo para que ficasse. O medo durou pouco. Adormeceu; profundamente. Depois flutuou eternamente leve, como pássaro planando um azul todo dele.