quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Abstrações sobre estrela, queimaduras, pérola e cicatrizes

há dias em que todo escuro
escorre em minha saliva
e eu digo da ausência da palavra
e eu digo destas auroras-abismo repletas de vazios
dos mergulhos por onde me embrenhei
das manhãs e tardes insanas
à espera do consolo da noite
quando em minhas mãos
eu tinha a esperança do teu tanto brilho
a queimar-me as palmas

são nesses dias que recordo
ante o precipício de espanto das minhas midriáticas pupilas
o lado negro do arco-íris

sim, toda pérola tem a lembrança da areia úmida
e toda luz já foi matéria em combustão

e este canto não é um lamento
é apenas a memória de um tempo
em que te imaginavas minha
qual uma estrela que me caia
mas me feria
ao tentar reter
nesta brevidade de ser
a eternidade
do teu calor
a tua luz

(Celso Mendes)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Setembro (reedição)

Aqui, deste setembro que não tem me deixado tempo para escrever novos textos, busco, de um setembro antigo, algo que preencha este espaço que se quer de letras.

      Setembro prossegue-me vago. Por ser um cultuador de palavras simples e frases rasas, dessas que descansam em beira de riacho, não compreendo bem o porquê. Mas sinto. Enquanto lavo meus olhos na poeira, aguardo a chuva que leve as folhas secas de agosto. Aprendi que retas perfeitas não existem, mas não consigo evitar a curiosidade de saber onde estão os pontos à frente. Isso machuca, sei bem, como sei também ser impossível evitar a dor.
      Houve um inverno que me roubou o vermelho e com ele fugiu o arco-íris das tempestades de verão; perdi uma flor. Marcou. O pó foi a cor que passou a me pintar. Até as maritacas que me acordavam toda manhã andaram ausentes. Agora volta, mais uma vez, a promessa de primavera. Já nem sei mais se acredito em primavera. Talvez devesse.
      Mas um setembro já me deu o que mais amo e outros também me trouxeram presentes. Sempre esperarei algo de setembro. Quem sabe este me umedeça novamente. Mantenho a água na memória. Meus olhos cansados permanecem abertos, continuo amanhecendo e não perdi essa mania de sonhar. Acho que ainda acredito em primaveras.

(Celso Mendes)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Resposta

a meu filho Luís Paulo

estou passando
deixo rastros
odores
sabores
mas, e as flores?

estou partindo
mergulho no vento
o que já fui
não sou
ficou
mas, e as dores?

estou chegando
novamente deslizo
em ondas do tempo
equilibrando-me
sob chuvas
luas
e sóis
mas, e o porquê?

não paro

se voo
nado
ou caminho
pressa
não cabe

só continuo

alguém ainda me espera

(Celso Mendes)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Infinitudes de um passado em expansão


bebo do sol deste céu
deste sal que me escorre negro
deste lamento turvo e rubro
a arder-me a voz plena de sombras
do mais distante
do mais longínquo
do mais pretérito
arrebol

eu sei, eu sei
sei sim
que vento em pranto
é tempestade
que só

assola lírios inconsolados
pela palavra que queima
e alimenta
a imagem ferida
do entardecer
que silencia
cada dia

e é assim

afago
manhãs
e afogo
crepúsculos
agonizantes
na escuridão
de noites sem fim

bem aqui
aqui em mim

(Celso Mendes)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Algia Temporal


De tanto pensar
em círculos,
voltando pro mesmo ponto,
meus neurônios
fasciculam,
como o tremer descontrolado
de minhas pálpebras
latejando minha lucidez,
como um coração que fibrila
estagnando o sangue
nas veias,
como o bater impaciente
de meus pés
esperando
o não sei que.

Cada minuto
atravessa-me
do lobo frontal
ao hipotálamo,
perpassando a região temporal,
e dói.

Mas não lamento a dor já sentida.
Queria apenas soltar as amarras,
desvencilhar-me desta imobilidade,
para que os minutos futuros
não fossem tão iguais...

preciso desfibrilar esta algia temporal

(Celso Mendes)