sexta-feira, 25 de junho de 2010

Poema Sem Tema

Talvez eu fale aqui desta minha ansiedade ortomolecular
ou dos restos mortais
daquelas fotografias cravejadas de olhares
das abstinências que sobem por paredes escorregadias
e congelam resquícios de lucidez
ou, quem sabe, de simples amores de prateleira

Talvez resolva apenas pendurar duas gotas de sal neste cadarço
antes de amarrar minhas mãos e desatar a minha língua
aparar a grama enquanto rolam ilusões
redefinir conceitos inexistentes
realçar bocas pintadas de libido
resolver equações geométricas
ou pequenas questões de física quântica

Queria mesmo era escrever um poema sem tema
dizer das impurezas de verdades inconcebidas
desacreditar da necessidade pragmática da escrita
rimar palavras pobres com idéias ricas
deslizar alguns símbolos gráficos sobre o branco
manchando-o com frivolidades incontestáveis
rifar pensamentos inúteis
e apenas
fluir

(Celso Mendes)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Um cruzamento


frio
noite
passos pesam
passado

memórias
a trazer
teu rosto
que insiste existir

chuva
semiluz
vento

no cruzamento
faróis rasgando pingos oblíquos
denunciam meu olhar
marejado

sombras
vagueiam
disfarçadas de gente

comigo
só lembranças

solidão
dobrando esquina
devagar

da alma
deixo um pedaço

o que as retinas fixaram na mente

levo

(Celso Mendes)

sábado, 12 de junho de 2010

Combustível


Quando a seta partiu
seu zunir abafou o grito,
que lacrado engoli.

Mas a pele viu o limbo
que tua face oferecia,
sub-reptícia,
com olhos de auscultar o meu vermelho
em seu pulsar
frenético.

Profundos são os passos
que me livram das imagens
previsíveis
de minha sanidade,
enquanto tuas centelhas
penetram-me os poros.

Não cedo à realidade que me fustiga,
não me dissecam os ventos longínquos da razão;
permito-me a embriaguez controlada por desejos
e me deixo invadir.

(Celso Mendes)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Avoando inutilidades pseudo-factuais


Enquanto formigas labutam em linha reta, penso torto: zunem as asas da abelha ou seria o ar a festejar mais um voo? Não gosto de atritos, prefiro a sabedoria das curvas, que sempre me possibilitam ver as coisas por um ângulo diferente.

Entretanto existem algumas certezas quase retilíneas...

Toda luz que atravessa frestas rasga sombras. Nem toda luz que conheço é sol, mas toda vida sim (a que conheço). E nem todo o escuro conhece o sol. Essas pertinências por vezes me incomodam. Melhor mudar de rumo.

Um pardal pia e pisca suas penas rindo de mim. Ele pensa que eu não sei de nada. Mal sabe que aprendi que pedras se fingem de surdas e podem ser disfarces de estátuas ou deuses. Outros pardais pousam próximo e me olham com o mesmo desprezo. Talvez tenham razão. Só sei o que penso saber e minhas verdades não são mais verdadeiras do que as deles; muito menos minha sapiência. E só sei voar de mentirinha. Mas é tão gostoso...


(Celso Mendes)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Palco

paredes azuis
duas cadeiras negras
pensamentos vermelhos
angústia sem cor
um silêncio único

a densidade do ambiente
penetra
a porosidade da mente

fachos fluorescentes fabricam sombras solitárias
pingos de lucidez prenunciam o inverno
as persianas são brancas
o piso palha
lá fora frio

(Celso Mendes)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Inútil Procura

Andei procurando pelos quatro cantos
Embaixo do travesseiro
Acima da via láctea
Na luz que soprava em mim
No ramo deste alecrim

Eu andei girando como cata-vento
Como gira-mundo
Em cada esquina calada
Na densidade do nada
Onde o raso é o mais profundo

Andei até navegando
Em ventos, poeira e fumaça
Nos sete mares, silêncio
Em toda lua, a estrada

Atiro-me neste mistério
Persigo a minha morada
Da chama pretendo a calma
Do espelho, a minha alma

(Celso Mendes)