segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um quase inverno


o outono só esquenta as vísceras enquanto dorme
só avia pecados em segredo e silêncio
enquanto ora, dissimulado, às folhas secas em escalpo de rosa
pelo espinho que murcha, mas ainda fere

o outono só aquece em olhos úmidos
seca-lhes paisagens sem lhes roubar a vida
como a impor a dor na sombra de uma translação
onde o frio flui impiedoso e ocre sobre cabeças e pés
inabaláveis ou frágeis

o outono só é quente em minha mente insana
que insisto balançar a um sol detrás de um muro
e tranco junto a sonhos findos e repaginados
quase adormecidos, imobilizados
pedaços de um passado a me planar impunes
prensados pássaros sem céu
sementes pálidas sem broto
luz que se aprisiona a espera do inverno tão próximo

não, meu outono não é quente, ele mente.

(Celso Mendes)

25 comentários:

Anônimo disse...

Fez-me pensar no que cada estação esconde enquanto hiberna.

Muito bom, Celso.

Beijo.

Marcantonio disse...

Não, as estações não passam por nós, nós é que passamos por elas, as acelerando, alongando ou mesmo as suspendendo.

Há imagens belas nesse poema, a começar da surpreendente "escalpo de rosa".

Grande abraço.

PS. Obrigado, Celso, pelo comentário deixado lá no Roxo-violeta. Mesmo que eu não reconheça esse "genial", é bom sentir que o que escrevemos reverbera no outro, que encontra interlocução.

Batom e poesias disse...

Penso que o outono e mesmo a mais dissimulada das estações...
Eu achei belíssimo esse poema, Celso.

bjs
Rossana

OceanoAzul.Sonhos disse...

Descansei nesta musica...lindíssima...
O outono, nostalgico, nos traz memórias, nos aquece sem calor, apenas por lembrar...
Adorei, simplesmente.
Um beijo
oa.s

Luiza Maciel Nogueira disse...

o outono mente! fantástico!

beijos

Sândrio cândido. disse...

Este poema machuca, doi
abraços

Eriem Ferrara disse...

Viajei por entre as estaçoes e percebi que todas nos mentem um pouquinho, mas cada uma nos dá algo de bom... a esperança para tentar romper os laços de um passado nao muito feliz. Parabéns Celso, seu poema é divino!!!

Milene R. F. S. disse...

E assim cada estação trás a sua alegria e a sua dor... belo, beijos!

Suzana Martins disse...

O outono, minha segunda pele, esquenta dentro de mim exibindo seus ventos. O outono, minha outra metade, inventa versos num temporal de saudades. O outono, parte de mim, acalenta o revoar dos poemas de um trovador que chora em nostalgia!!!

Beijos querido!!^^

Anônimo disse...

Decerto tu rompes as significâncias triviais... e encantas sempre. Grande abraço, amigo.

sacharuk

Celso Mendes disse...

obrigado, gente, pelo carinho...

gostaria de fazer um comentário: como médico, é muito corriqueiro, para mim, usar o verbo "aviar", colocado no texto, que NÃO se refere ao verbo haver usado sem o "H". Achei pertinente essa observação, sem menosprezar nenhum leitor, é claro.

Abraços a todos.

Lídia Borges disse...

Celso, o seu Outono é deslumbrante.

"o outono só aquece em olhos úmidos
seca-lhes paisagens sem lhes roubar a vida!

Posso levar estes versos na alma?

Um beijo

Anônimo disse...

Cada estação deixa sua sensação
Neste mundo não muito são
O outono seca as folhas, mas as palavras não
Elas no meu coração estão!

Muito belo, Celso!
Beijos. Au revoir.

Lou Vilela disse...

Gostei do espaço, Celso! Voltarei para conhecer melhor o teu trabalho. ;)

Obrigada pela visita e pelo gentil comentário, poeta!

Um abraço,
Lou

Milene R. F. S. disse...

Celso, indiquei o seu blog para o "selo do blog de ouro" lá no melodia em versos. Se sinta à vontade para pegar o selo na página (nova) selos e agrados. Beijos!

Anônimo disse...

O outono pode ser quente, morno ou frio, dependendo de quem olha.

Sublime, Celso.

Beijos

Anônimo disse...

Achei você no perfil do Jorge...
"meu outono é quente e por isso mente" , fui tomada por essa frase...

Me disse...

gosto de outonos...
bjo Celso!

Carla Fernanda disse...

Bom dia!
Passando para uma visita!
Saudações,
Carla

Anônimo disse...

Uma estação inteira pousada na folha do poema, sentida na epiderme dos versos, sensações voláteis; e a dualidade do vocábulo "mente" articulado genial-mente!

Celêdian Assis disse...

Celso, seu poema é de uma beleza rara, na riqueza da metáfora que construiu sobre a dissimulação do outono, que avia substratos para a vida em solo com "escalpos de rosas" e o outono do homem que se alimenta dos sonhos despencados de uma alma ressequida e ainda assim aviando esperanças para a sua vida.
Muito lindo!
Um abraço,
Celêdian

Jorge Pimenta disse...

amigo celso,
quantos outonos não vivemos nós numa só vida? mesmo sabendo-o, o calendário mente, assinando apenas um por ano. e o homem ainda à espera da revolução da meteorologia...
um forte abraço!

Onde Pousam as Borboletas disse...

Az vezes precisamos de um abrigo mais quente para que o frio passe. É como quando éramos crianças e o medo fazia com que nos cobríssemos até a cabeça, depois de crescidos isso já não dá certo. Saudade dos outonos de outrora.

Beijo grande amigo Celso. Ótima semana!

Deah!

Ana Morais disse...

Voltei e descansei aqui, que lindeza, meu poeta.

Dolce Vita disse...

Quanta vida se oculta no outono.

Só a poesia é capaz de alcançar tamanha beleza...

Beijos