sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Conteúdo

tenho comigo o ruído das horas que plantei
–  eternas e imutáveis –
algumas folhas  secas que me esqueci de regar
frutos [talvez alguns]
alguns cacos à vista e à deriva
um tanto de inocência verde de criança
e o fogo mais puro de cada desejo
junto aos meus rubros

tenho cá dentro as águas
rios de sal
e o sol que conservo no peito

circulo o sal nas artérias
brotam-me pedras de sal
salgo horizontes
mas guardo o sol e a lembrança das águas
intactos

já pude sentir o hálito do voo
provei da terra da poeira e do musgo do rastro
aprendi um pouco das estrelas na nudez da escuridão
procuro compreender o sábio valor
do ruflar silencioso da rocha
do pensamento etéreo das plantas
da clara mensagem das nuvens

só nada sei das entranhas
onde o peso da luz não se sente na língua emudecida
da palavra indecifrável

carrego
brisas
ventanias
tempestades
olhares
lábios
cânticos
e amanheceres

que sempre esperam as inevitáveis noites
e o definitivo sono que me contém

(Celso Mendes)

17 comentários:

Luiza Maciel Nogueira disse...

poesia de muita sabedoria Celso e realmente é assim, as coisas/os seres nos dizem, sussurram e é urgente ouvi-las! beijos

Acqua disse...

adoro essa expressão "plantar horas"! Penso que as horas não são plantadas na correria do dia, enquanto se cumpre as obrigações,as responsabilidades, as civilidades... pelo contrário, são podadas...
as horas são plantadas nos momentos dedicados aos silêncios, ao vazio, às sensações... é quando o tempo rende e dele brota a satisfação em transcorrê-lo.

admirável texto, celso!

saudações!

marlene edir severino disse...

Um mosaico de sábios conteúdos.
Fiquei lendo, relendo, absorta, a cada verso.

Muito lindo, amigo!

E não esqueça de regar o momento presente. Com intensidade!

Beijo, Celso!

CARLA STOPA disse...

É vida pulsando...É belo...

Unknown disse...

Celso!

Tens o conteúdo mais rico que um poeta pode ter e sabe dizê-lo com sabedoria. Penso muito nas "entranhas" e o que me vem é uma doce saudade muda!

Belíssimo!

Beijos

Mirze

Unknown disse...

que poema Celso, estupendo



abraço

manuela barroso disse...

De uma intensidade imensa, de recordações eternas guardando purezas de sentimentos tão ternos. E ainda bem que enquanto o rio corre salgado, há um sol que o tornará mais doce: a saudade.E na impermanência do tempo e das coisas, resta olhar as coisas simples, mesmo que não se vejam.
E tudo se guarda dentro do cofre de nós!
Palavras para quê?
Imensa poesia! Imenso pensamento!
Boa semana, querido amigo.
Fraterno abraço

cirandeira disse...

Sábio e belo poema, Celso.
PARABÉNS!

Um bom final de semana!

abraços

Sândrio cândido. disse...

há um tom inquietante em teus últimos poemas, uma saudade estanque
abraços

Luciana Marinho disse...

a natureza assim cantada, para nos cantar, é de um respirar, de um florescer vital.

belo poema,
belo sentir.

abraço!

Jorge Pimenta disse...

do tanto que plantamos, do muito que colhemos e do imensurável que se dispersa, algures, nas cercanias do eu, do outro, do eu com o outro. e quando achamos que tudo isso nós [não] temos, eis que percebemos que é tudo isso que nos [não] tem.
continente e conteúdo: colombo e o seu ovo bem tentaram deslindar a hipófise do ser...
abraço, querido amigo-poeta!

OceanoAzul.Sonhos disse...

De tanto que temos em nosso sentir, do tanto que plantamos e recolhemos em palavras e dádivas-vida, do tanto que se faz nosso e dos outros, em nós.

Um prazer ler-te Celso.
Beijos
CVB

Lê Fernands disse...

das crianças tenho comigo a certeza de que meus sonhos vão se realizar!

um bj no coração, querido.

carmen silvia presotto disse...

Celso releio aqui o poema e digo que me banho em teu sangue de poeta, humano por demais, gracias.

Beijos e boa semana.

Carmen.

Arnoldo Pimentel disse...

Profundos e belos versos.Parabéns poeta.

Roberta disse...

que belo percurso. o de aventureiro, que engendra os limiares - ganhos, despedidas. o que no sonho, na vida, ou na criação carrega as tragédias, os ermos daquilo que experimentou: rumores, presenças, ausências. e de tudo que se fareja, aquilo que não se sabe porque indecifrado na palavra, na língua emudecida. o peso da luz; território de sutilezas que abraçam densidades na tua poesia. a noite inevitável, o sono. mas guardemos, intactos, o sol e a lembranças das águas. beijo.

Tiago do Valle disse...

Impressionante! Sua poesia arrepia, Celso!