quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sobre o que fere

a navalha é a mesma e está rubra
escorre o fel de línguas fendidas
de lábios carmins
de olhos vermelhos
caminho sem volta ao inferno
cereja num copo de vinho
cascas de maçã
rosas de Hiroshima

a navalha é a mesma e está bruta
escorre ao léu em raízes perdidas
de um corte no branco a vazar os seus nadas
rasgo radical na lúdica lucidez
cúmulo cinzento no palato plúvio
poda no verde de um verbo
um silêncio gris
o escuro do giz
muros de Berlim

a navalha é a mesma e contém cicuta
escorre no céu de bocas despidas
no frio do fio um fonema letal
tal arma fatal em dentes alvos
mensagem que ecoa em asas pardas
voo subterrâneo num corpo sem pele
viagem sombria no fibrilar miocárdico
vida sem sol
pulso sem luz
pó de torres gêmeas

a palavra é navalha
e está cravada

(Celso Mendes)

28 comentários:

João A. Quadrado disse...

[acutilante, a manhã que emerge, a palavra que urge e ferindo, purifica]

um imenso abraço, Celso

Leonardo B.

Anônimo disse...

Oi, Celso. :)

Olha, eu adoro os seus poemas, a forma como vc se expressa, enfim, sou mesmo fã dos seus escritos, mas esse poema aqui está perfeito! Ouso dizer que, até agora, é o poema mais lindo que já li por aqui. Muito bom mesmo!

"a palavra é navalha
e está cravada"

Sabe quando vc lê uma coisa e pensa: Nossa! Isso é demais! Eu queria ter escrito isso...

Pois é... assim estou eu diante desse encantamento de poema que vc construiu. Parabéns, querido.

Beijo grande.

Suzana Martins disse...

Sangra a palavra, sangra o verso.
A navalha corta o papel pintando em variados tons de vermelho todo o verbo que está por dizer...

Beijos e muitos beijos querido poeta!!^^

Onde Pousam as Borboletas disse...

uaU!!! Quanta profundidade! Um poema marcante onde a palavra sangra urgente. Parabéns, amigo. Ótimo dia. Beijos!

Unknown disse...

a navalha é corte sem fim, abrindo-se aos olhos feito o Cão Andaluz


abraço

Unknown disse...

Acutilante a sua forma de expressão! Quase que me faz doer quando imagino o que sente.
E o poeta aqui não é um fingindor.
Parabéns e obrigada também pela sua visita ao meu blogue.

OceanoAzul.Sonhos disse...

A navalha que corta sem piedade tal como asas ferem a alma no mais profundo sentimento, gente com dor em silêncio.
Musica poderosa.
Abraço
oa.s

Anônimo disse...

"no frio do fio um fonema letal
tal arma fatal em dentes alvos"

Deslumbrante essa forma de escrever.As palavras matam...

Beijos, querido.

Cris de Souza disse...

[cravado e cravejado de crepúsculos]

versos fatais, doutor da lira cortante.

beijos de admiração.

marlene edir severino disse...

Bocas despidas,
de lábios carmim
Teus versos: lâmina!

Amei!

Beijo, Celso!

ErikaH Azzevedo disse...

Um sortilégio, uma benção divina...palavra é punhal, mágico..que sangra mas tb cicatriza, tantas dores de nós...antidoto e vêneno.
A palavra faz -nos sentir e no sentir a mais é que ela alivia.
Abrir-se ao lumem da palavra é preciso, se entregar, ainda que doa em cada pulsar.
Bjos , admiração, carinho completo ao menino.

Erikah

rauau disse...

bonito...Abraço!

Lê Fernands disse...

"a ela que mata, que salva, que cura e perdura, o cuidado merecido. porque, depois de proferida, é eterna".


lindo, querido.
bjsmeus

Canteiro Pessoal disse...

Celso, que excelência de escrito, absorvo o glamour das palavras exprimes; letras com teor fortíssimo. Ave rara, um dos melhores que leio até dado momento na semana.

Parabéns!

Abraços

Priscila Cáliga

Menina no Sotão disse...

Numa manhã como a de hoje que tudo desacelera e se perde no meu avesso, vou dizer-te que o silêncio foi uma espécie de navalha a rasgar enquanto há carne.

Gosto demais quando a poesia vai além da derme.
bacio

Milene R. F. S. disse...

Sangram as palavras ditas por levianos lábios e cravadas em fogo no coração... de todos os seus poemas esse foi dos que mais me tocou, querido amigo... lindo e doloroso, beijos!

Jorge Pimenta disse...

diante da acutilância do dizer, até o aço de trifauce é amora em silva estival.
abraço, amigo celso!

Celso Mendes disse...

Meus sinceros agradecimentos aos amigos que leram e comentaram com tanta generosidade...

Ana Morais disse...

De uma forma cortante e forte, chegou a provocar fatal admiração, mais admiração.

Um beijo nesse coração, meu amigo e GRANDE POETA.

Daniela Delias disse...

Sangrando...poema lindo!

Lídia Borges disse...

A palavra ferida crava-se na alma e desperta abana a passividade e dói nos olhos...

Um beijo

Fred Caju disse...

Muito bom, camarada! Que a hemorragia se espalhe pela poesia.

MARILENE disse...

É a primeira vez que entro aqui. E logo encontro essa maravilha de poema.
Você é ótimo com as palavras.
Parabéns!

Tania regina Contreiras disse...

Um rubro poema, Celso...Muito bom. Cortes e profundezas. Gosto muito do seu estilo de escrita.
Abraços,

Wania disse...

Celso


A palavra que assopra também sabe ferir até sangrar... mas tua belíssima poesia, tampona!


Bj grande, meu querido amigo

Fabrício Brandão disse...

Esta mesma palavra que se crava em nós é aquela que demarca inscrições perpétuas na alma. Quiçá precisemos de tudo isso para apascentarmos mistérios.

Belos arremates os seus, Celso!

Abraços

Jullio Machado disse...

Belo texto.
Ele me faz lembrar o perigo que é a faca de dois gumes: a língua humana; e também me fez lembrar um antigo ditado, "palavras são como abelhas: mel e ferrão".
Abraços poéticos!

Anônimo disse...

"palavra.navalha.cravada" - parabéns pela forma como trespassou páginas da História com seus versos.

(Até senti a maçã se empalidecendo...)

Fantástico poema! Com um senso crítico afiado, preciso, certeiro.